Laboratório de Ecologia e Biogeografia de Mamíferos, UEG
Laboratório de Paleontologia e Evolução,
UFG
Campus
Aparecida de Goiânia. Email: candeiro@ufg.br
Para aqueles que moram no Brasil Central (região Centro-Oeste, oeste de São Paulo e Triângulo Mineiro) ou já se embrenharam pelo Cerrado brasileiro, uma vez ou outra devem ter se deparado com um cachorro-do-mato (ou casal talvez), varas de porcos-do-mato (aqui tudo parece ser do mato), ou encontrado com os tatus e suas tocas. Mas, se eu te dissesse que há milhões de anos atrás a fauna dos “peludos” não era tão diversificada assim, e quem reinava por essa região durante o Neocretáceo (parte final do período Cretáceo) eram os répteis, tais como dinossauros, crocrodilomorfos, tartarugas entre outros organismos. Para você entender melhor, aqui nós falaremos a respeito de um estudo recente sobre uma fauna já extinta, mas preservada no registro fóssil, o artigo “New reports of Late Cretaceous reptiles from the Bauru Group of Southern Goiás State, Brazil” (https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0895981118300348)[1]”. Esse estudo, que foi publicado em uma importante revista científica internacional, foi realizado por pesquisadores brasileiros (dentre esses, os autores deste texto de divulgação) em parceria com um pesquisador norte-americano.
Para início de conversa, você sabia que há muito, muito tempo atrás, algo em torno de 100,5 milhões e 66 milhões anos, ocorreu o Neocretáceo? Não?! Esse termo (um pouco estranho, eu confesso) corresponde ao último período da era Mesozoica (era dos dinossauros), também conhecido como o período da extinção dos grandes dinossauros (Cretáceo-Paleoceno). Durante esse período, a América do Sul já havia se separado da África (e tinha uma pequena conexão com a Antártica) e os continentes estavam aproximadamente nas posições atuais, embora a Índia ainda estivesse próxima da África. Dentre os répteis desse período, os crocodilomorfos (p.ex.: Baurusuchus, Mariliasuchus e Armadillosuchus) estão bem documentados no registro fóssil brasileiro.
Alguns foram
animais aquáticos, mas outros eram animais bizarros adaptados a vida terrestre,
muito diferentes dos crocodilos atuais. O Baurusuchus
foi um predador perseguidor de longas pernas que lembrava um cachorro. O Mariliasuchus tinha dentes parecidos com
os incisivos, os caninos e os molares dos mamíferos, que ele provavelmente
usava como um porco para consumir sua dieta onívora de aperitivos. O Armadillosuchus era um escavador com
faixas de armadura corporal flexível, e pode ter sido capaz de se enrolar como
um tatu, daí seu nome. Nenhum desses animais viveu na América do Norte, até
onde sabemos. Parece que, no Brasil e em todo o Hemisfério Sul, esses
crocodilos preenchiam nichos ecológicos dominados pelos dinossauros em outras
partes do mundo[2].
Figura. Mapa do Cretáceo Superior. Fonte: Wikiwand [https://www.wikiwand.com/en/Late_Cretaceous]
No Brasil, especificamente em rochas sedimentares que são conhecidas como Grupo Bauru, há o registro de importantes fósseis de dinossauros, crocodiliomorfos e outros vertebrados do Cretáceo. Esses registros trazem informações únicas de como a fauna da Gondwana era no final do Período Cretáceo, antes do impacto do asteroide. Muitos desses registros estão limitados a poucas regiões, principalmente do estado de Mato Grosso, oeste de São Paulo e região do Triângulo Mineiro. Então, neste estudo, nós descrevemos um grupo de répteis fósseis do final do Cretáceo da Formação Adamantina e Marília (Grupo Bauru, Bacia do Paraná) em uma região pouco estudada no sul e sudeste do estado de Goiás.
O estudo é resultado das etapas de campo do projeto “Tetrápodes para o sul de Goiás e Triângulo Mineiro”, que foi executado durante o outono e inverno de 2013, 2015 e 2016, envolvendo pesquisadores da Universidade Federal de Goiás, Universidade Estadual de Goiás (Campus Quirinópolis) e Universidade de Edimburgo (Reino Unido). Os espécimes encontrados representam fragmentos fossilizados de dinossauros, crocodilomorfos e tartarugas (veja figuras abaixo). Um dos achados corresponde ao epiplastrão de uma tartaruga (clado Podocnemidoidae). Fósseis deste clado são comumente encontrados em afloramentos rochosos nos estados de Minas Gerais e São Paulo. A presença deste grupo para o sul de Goiás expande a distribuição geográfica do clado para o Brasil Central.
Figura. Epiplastro direito de Podocnemidoidae do município de Rio Verde. A. vista (ventral); B. vista interna (visceral).
Também foram encontrados dois espécimes de crocodilomorfos, sendo um deles representante do clado Notosuchia. Os representantes desse clado têm sido apontados como valorosos para o entendimento geral da separação América do Sul e África. Estes são amplamente registrados no Grupo Bauru dos estados de Minas Gerais e São Paulo, bem como em outras áreas do Cretáceo da Gondwana.
Figura. Notosuchia, parte proximal de um fêmur em vista lateral.
Por fim, nós também encontramos para a porção sudeste do estado de Goiás, no município de Rio Verde, três representantes de Titanosauria. Esses animais representam um dos últimos grupos de dinossauros saurópodes (herbívoros) viventes durante o Neocretáceo, sendo conhecidos principalmente de fragmentos provenientes da Índia, Europa, África e América do Sul. As rochas cretácicas do oeste de São Paulo e do Triângulo Mineiro fornecem o mais expressivo registro de dinossauros do Brasil, e grande parte dos espécimes de dinossauros coletados no Neocretáceo de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso está fragmentada, constituída de dentes isolados e vértebras, com a maioria das espécies descritas ou identificadas foi atribuída ao clado dos Titanosauria[3].
Figura. Fragmentos do osso do rádio de um Titanosauria. A e B vista lateral, C vista frontal.
Os espécimes descritos aqui incluem os primeiros registros de tartarugas e crocodiliomorfos do Neocretáceo no sul e sudeste de Goiás. Portanto, os fósseis descritos neste estudo demonstram a diversa fauna de tetrápodes e também promovem o primeiro registro de Podocnemidoidae, Notosuchia, e Titanosauria para o sul e sudo estado de Goiás. Apesar de altamente fragmentado os novos fósseis demonstram que a fauna local foi diversa durante o final do Cretáceo, e similar a fauna do Grupo Bauru para outras partes do Brasil. Estes achados dão suporte a hipótese de que houve uma fauna terrestre diversa, dominada principalmente por dinossauros, crocrodiliomorfos e tartarugas, amplamente distribuída na América do Sul, e Gondwana, e portanto, têm uma importância crítica na compreensão das mudanças na fauna extinta do Cretáceo Superior.
Referencias
Brusatte, S. 2019. Ascensão e queda dos dinossauros: uma nova história de um mundo perdido. Editora Record: Rio de Janeiro.
Gallo, V., Silva, H.M.A., Brito, P.M., Figueiredo, F.J. 2012. Paleontologia de Vertebrados: relações entre América do Sul e África. Editora Interciência: Rio de Janeiro.