sexta-feira, 12 de junho de 2020

Répteis extintos “dinossauros, crocodilomorfos e tartarugas” do sul de Goiás: novos registros para o Brasil Central


Wellington Hannibal

Laboratório de Ecologia e Biogeografia de Mamíferos, UEG

Campus Sudoeste. Email: wellingtonhannibal@gmail.com





Carlos Roberto A. Candeiro

Laboratório de Paleontologia e Evolução, UFG

Campus Aparecida de Goiânia. Email: candeiro@ufg.br



Para aqueles que moram no Brasil Central (região Centro-Oeste, oeste de São Paulo e Triângulo Mineiro) ou já se embrenharam pelo Cerrado brasileiro, uma vez ou outra devem ter se deparado com um cachorro-do-mato (ou casal talvez), varas de porcos-do-mato (aqui tudo parece ser do mato), ou encontrado com os tatus e suas tocas. Mas, se eu te dissesse que há milhões de anos atrás a fauna dos “peludos” não era tão diversificada assim, e quem reinava por essa região durante o Neocretáceo (parte final do período Cretáceo) eram os répteis, tais como dinossauros, crocrodilomorfos, tartarugas entre outros organismos. Para você entender melhor, aqui nós falaremos a respeito de um estudo recente sobre uma fauna já extinta, mas preservada no registro fóssil, o artigo “New reports of Late Cretaceous reptiles from the Bauru Group of Southern Goiás State, Brazil” (https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0895981118300348)[1]. Esse estudo, que foi publicado em uma importante revista científica internacional, foi realizado por pesquisadores brasileiros (dentre esses, os autores deste texto de divulgação) em parceria com um pesquisador norte-americano.

Para início de conversa, você sabia que há muito, muito tempo atrás, algo em torno de 100,5 milhões e 66 milhões anos, ocorreu o Neocretáceo? Não?! Esse termo (um pouco estranho, eu confesso) corresponde ao último período da era Mesozoica (era dos dinossauros), também conhecido como o período da extinção dos grandes dinossauros (Cretáceo-Paleoceno). Durante esse período, a América do Sul já havia se separado da África (e tinha uma pequena conexão com a Antártica) e os continentes estavam aproximadamente nas posições atuais, embora a Índia ainda estivesse próxima da África. Dentre os répteis desse período, os crocodilomorfos (p.ex.: Baurusuchus, Mariliasuchus e Armadillosuchus) estão bem documentados no registro fóssil brasileiro.

Alguns foram animais aquáticos, mas outros eram animais bizarros adaptados a vida terrestre, muito diferentes dos crocodilos atuais. O Baurusuchus foi um predador perseguidor de longas pernas que lembrava um cachorro. O Mariliasuchus tinha dentes parecidos com os incisivos, os caninos e os molares dos mamíferos, que ele provavelmente usava como um porco para consumir sua dieta onívora de aperitivos. O Armadillosuchus era um escavador com faixas de armadura corporal flexível, e pode ter sido capaz de se enrolar como um tatu, daí seu nome. Nenhum desses animais viveu na América do Norte, até onde sabemos. Parece que, no Brasil e em todo o Hemisfério Sul, esses crocodilos preenchiam nichos ecológicos dominados pelos dinossauros em outras partes do mundo[2].


Figura. Mapa do Cretáceo Superior. Fonte: Wikiwand [https://www.wikiwand.com/en/Late_Cretaceous]

 

No Brasil, especificamente em rochas sedimentares que são conhecidas como Grupo Bauru, há o registro de importantes fósseis de dinossauros, crocodiliomorfos e outros vertebrados do Cretáceo. Esses registros trazem informações únicas de como a fauna da Gondwana era no final do Período Cretáceo, antes do impacto do asteroide. Muitos desses registros estão limitados a poucas regiões, principalmente do estado de Mato Grosso, oeste de São Paulo e região do Triângulo Mineiro. Então, neste estudo, nós descrevemos um grupo de répteis fósseis do final do Cretáceo da Formação Adamantina e Marília (Grupo Bauru, Bacia do Paraná) em uma região pouco estudada no sul e sudeste do estado de Goiás.

O estudo é resultado das etapas de campo do projeto “Tetrápodes para o sul de Goiás e Triângulo Mineiro”, que foi executado durante o outono e inverno de 2013, 2015 e 2016, envolvendo pesquisadores da Universidade Federal de Goiás, Universidade Estadual de Goiás (Campus Quirinópolis) e Universidade de Edimburgo (Reino Unido). Os espécimes encontrados representam fragmentos fossilizados de dinossauros, crocodilomorfos e tartarugas (veja figuras abaixo). Um dos achados corresponde ao epiplastrão de uma tartaruga (clado Podocnemidoidae). Fósseis deste clado são comumente encontrados em afloramentos rochosos nos estados de Minas Gerais e São Paulo. A presença deste grupo para o sul de Goiás expande a distribuição geográfica do clado para o Brasil Central.


Figura. Epiplastro direito de Podocnemidoidae do município de Rio Verde. A. vista (ventral); B. vista interna (visceral).

Também foram encontrados dois espécimes de crocodilomorfos, sendo um deles representante do clado Notosuchia. Os representantes desse clado têm sido apontados como valorosos para o entendimento geral da separação América do Sul e África. Estes são amplamente registrados no Grupo Bauru dos estados de Minas Gerais e São Paulo, bem como em outras áreas do Cretáceo da Gondwana.

Figura. Notosuchia, parte proximal de um fêmur em vista lateral.

Por fim, nós também encontramos para a porção sudeste do estado de Goiás, no município de Rio Verde, três representantes de Titanosauria. Esses animais representam um dos últimos grupos de dinossauros saurópodes (herbívoros) viventes durante o Neocretáceo, sendo conhecidos principalmente de fragmentos provenientes da Índia, Europa, África e América do Sul. As rochas cretácicas do oeste de São Paulo e do Triângulo Mineiro fornecem o mais expressivo registro de dinossauros do Brasil, e grande parte dos espécimes de dinossauros coletados no Neocretáceo de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso está fragmentada, constituída de dentes isolados e vértebras, com a maioria das espécies descritas ou identificadas foi atribuída ao clado dos Titanosauria[3].


Figura. Fragmentos do osso do rádio de um Titanosauria. A e B vista lateral, C vista frontal.

Os espécimes descritos aqui incluem os primeiros registros de tartarugas e crocodiliomorfos do Neocretáceo no sul e sudeste de Goiás. Portanto, os fósseis descritos neste estudo demonstram a diversa fauna de tetrápodes e também promovem o primeiro registro de Podocnemidoidae, Notosuchia, e Titanosauria para o sul e sudo estado de Goiás. Apesar de altamente fragmentado os novos fósseis demonstram que a fauna local foi diversa durante o final do Cretáceo, e similar a fauna do Grupo Bauru para outras partes do Brasil. Estes achados dão suporte a hipótese de que houve uma fauna terrestre diversa, dominada principalmente por dinossauros, crocrodiliomorfos e tartarugas, amplamente distribuída na América do Sul, e Gondwana, e portanto, têm uma importância crítica na compreensão das mudanças na fauna extinta do Cretáceo Superior.

 

Referencias

Candeiro, C.R., Brusatte, S.L., Simbras, F.M. et al. 2018. New reports of Late Cretaceous reptiles from the Bauru Group of southern Goiás State, Brazil. Journal of South American Earth Sciences. 85: 229-235.

Brusatte, S. 2019. Ascensão e queda dos dinossauros: uma nova história de um mundo perdido. Editora Record: Rio de Janeiro.

Gallo, V., Silva, H.M.A., Brito, P.M., Figueiredo, F.J. 2012. Paleontologia de Vertebrados: relações entre América do Sul e África. Editora Interciência: Rio de Janeiro.