domingo, 19 de abril de 2020

Como ocorre a formação de casais em anuros?


Você já caminhou, à noite, próximo de brejos e lagoas e ouviu os coaxos (vocalizações ou cantos) dos sapos? Talvez sim, talvez, não! Mas saiba que nestes locais, centenas de indivíduos de espécies diferentes se agregam e realizam uma sinfonia, com cada espécie coaxando de forma própria. São os machos vocalizando (coaxando) para atrair suas fêmeas. Não é uma tarefa fácil. Afinal, o macho tem que vencer a competição com outros machos e, até mesmo, não virar comida!

Para se acasalar (formar um par com a fêmea), um macho pode utilizar de quatro estratégias: (a) macho cantor, (b) macho deslocador, (c) macho satélite e (d) procura ativa. A estratégia mais difundida é a do macho cantor. Nesta estratégia, o macho fica vocalizando para atrair as fêmeas, que poderão escolhê-lo (ou não). No filme, é mostrado um macho de Dendropsophus cruzi (Pombal e Bastos, 1998) vocalizando. Observe o saco vocal, que funciona como uma caixa de som. Além disso, veja que ele fica se movimentando na folha para que seu canto seja bem propagado no ambiente.

 A segunda estratégia, a do macho satélite, é aquela que um macho fica próximo (sem vocalizar) de um macho cantor. Literalmente, o macho que não vocaliza é um satélite, que fica orbitando o macho cantor! Na foto são mostrados dois machos da perereca-de-pijama, Boana goiana (Lutz, 1968). Observe que o macho satélite está em postura mais abaixada e o cantor está com o saco vocal inflado. O macho satélite pode interceptar uma fêmea que está sendo atraída pelas vocalizações do outro macho ou espera que o macho cantor, consiga um amplexo. Assim, após a saída do cantor, o satélite começa a vocalizar. Para maiores informações, leiam o artigo de Célio Haddad, Satellite Behavior in the Neotropical Treefrog Hyla minuta, publicado em 1987, na revista Journal of Herpetology, volume 25, páginas 226 a 229p.

Na estratégia do macho deslocador, um macho tenta deslocar (retirar) o macho que está em amplexo com a fêmea (veja foto). Após o macho amplectar a fêmea, o casal se desloca pelo brejo para escolher um local para desovar. Nesta caminhada, pode ser interceptado por outro macho que tentará deslocar o macho que estava em amplexo. Pode ser que que fêmea (solitária) tenha sido interceptada por um macho que não era o que ele queria. Então, ela se desloca com este macho amplexado até encontrar o macho ideal. Recomendo a leitura do artigo de N.B. Davies e T.R. Halliday, Optimal mate selection in the toad Bufo bufo, 1977, publicado na revista científica Nature, volume 269, páginas 56 a 58. 

E, por último, temos a estratégia do macho que faz procura ativa. Nesta estratégia, o macho procura ativamente por uma fêmea. Na foto, podemos ver as ondas que se formam na água, quando o animal nada. Essas quatro estratégias não são, mutualmente, exclusivas. Um macho pode realizar a estratégia de macho cantor por um tempo, depois pode passar para estratégia de procura ativa. Ou, em uma noite, o macho pode estar vocalizando e em outra ser um macho satélite. Leiam o artigo de Lincoln Fairchild: Male reproductive tactics in an explosive breeding toad population, publicado na revista científica American Zoologist, volume 24, páginas 407 a 418.


 Em todas as estratégias, os machos enfrentam riscos. Um macho cantor pode atrair um predador ou se engajar em uma competição acústica com um rival, isto é: para evitar que sua vocalização seja abafada pelo rival, o macho pode aumentar a taxa de emissão (cantar mais) ou vocalizar com uma intensidade sonora maior. O macho de procura ativa, pode encontrar e amplectar macho de outra espécie [na foto de cima é apresentado um casal de Boana faber (Wied-Neuwied, 1821), sobre o qual, há um macho de Rhinella crucifer (Wied-Neuwied, 1821)]. O macho de procura ativa, por realizar movimentos na água, pode ser predado por animais aquáticos, como mostrado na foto de baixo. Recomendo este artigo, autorado por mim e Célio Haddad: Predation on the toad Bufo crucifer during reproduction (Anura: Bufonidae), publicado na revista científica Amphibia-Reptilia, em 1997, volume 18, páginas 295 a 298.



Reprodução é uma das etapas mais importantes da vida de qualquer animal. Para chegar nesta etapa, foi necessário alimentar, fugir, crescer, evitar ser predador. Não foi fácil! E quando o animal chega na época da reprodução, outros desafios aparecem! Desafios e perigos tanto para machos como para as fêmeas. Espero que tenham gostado. Ainda há muito o que pesquisar sobre as espécies de anfíbios, principalmente, as que ocorrem, no Brasil!

Texto: Rogério Pereira Bastos

Laboratório de Herpetologia e Comportamento Animal

Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás
Contato: rogerioiscinax@gmail.com

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