sexta-feira, 24 de abril de 2020

Frequência dominante do canto dos anuros está sempre relacionada com o tamanho corporal?

 
Texto do Dr. Alessandro Ribeiro de Morais 
Laboratório de Biologia Animal
Instituto Federal Goiano, Rio Verde, Goiás



Os anuros se comunicam, predominantemente, através das vocalizações. Nesses animais, diferente do que ocorrem em outros vertebrados (p.ex.: aves), as vocalizações são inatas e, em consequência disso, são altamente estereotipadas. Sabe-se que  as vocalizações emitidas pelas diferentes espécies de anuros desempenham funções variadas, tais como: reconhecimento específico, atração de parceiros reprodutivos, defesa de território entre outros. Ainda, os sinais acústicos desses animais podem variar em resposta a fatores ambientais (p.ex. temperatura do ar, estrutura da vegetação), sociais (p.ex. distanciamento entre os indivíduos coespecíficos no coro) e morfológicos (p.ex. tamanho corporal). 

Em anuros, a relação alométrica existente entre a frequência dominante (medida em Hertz) das vocalizações e o tamanho corporal dos indivíduos é muito bem documentada na literatura. Em consequência disso, sabe-se que indivíduos maiores emitem vocalizações com baixa frequência (som grave), enquanto os indivíduos menores emitem cantos com frequência elevada (som agudo). A explicação para isso é que, em anuros, o tamanho corporal dos indivíduos determina o tamanho das estruturas que produzem os sons, por exemplo, a faringe e as cordas vocais. Consequentemente, cordas vocais maiores vibram em baixa frequência, produzindo sons mais graves.

Neste contexto, pesquisadores brasileiros (entre os quais me encontro) e estrangeiros, liderados pelo Dr. João Tonini (The George Washington University, EUA), conduziram e publicaram um importante estudo sobre a evolução das vocalizações em anuros (https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ece3.6155). Nós investigamos se a relação alométrica que há entre a frequência dominante dos sinais acústicos e o tamanho corporal é algo conservativo (isto é, que se mantém) na história evolutiva dos anuros. Adicionalmente, testamos se agentes de seleção (p.ex.: o sítio de vocalização) poderiam influenciar ou não a existência dessa relação alométrica. Para isso, consideramos um número expressivo de espécies de anuros (n = 2.176) de diferentes partes do mundo, para as quais foram compiladas informações a respeito da filogenia do grupo, frequência dos sons, sítio de vocalização e tamanho corporal.

Foi observado que o tamanho corporal é um bom preditor da frequência dominante dos sinais acústicos em anuros (veja os gráficos abaixo). Este padrão foi observado, independentemente do sítio de vocalização (água, poleiro ou no chão) utilizado pelas diferentes espécies de anuros. Portanto, isto sugere a existência de uma relação alométrica entre estas variáveis para a maioria das espécies de anuros analisadas (88% das 2176 espécies). 
 



Ainda, observamos que evidências de que tal relação parece ser conservativa ao longo da história evolutiva desse grupo e que ela tenha evoluído a cerca de 219 milhões de anos atrás. No entanto, conforme observado na figura abaixo, eventos raros de escape alométrico (ausência de relação entre frequência dominante e tamanho corporal) foram observados ao longo da evolução desses animais. Desse modo, foram observados que quatro eventos ocorreram em diferentes momentos da história evolutiva dos anuros e que esses abrangeram distintas linhagens de espécies, conforme descrito a seguir: (1) Rãs do sudeste asiático (33,3 milhões de anos atrás); (2) Dendrobatídeos, Poison frogs, (102,7 milhões de anos atrás); (3) Pererecas da sub-família Dendropsophinae (42,9 milhões de anos atrás); e (4) Ranídeos (41 milhões de anos atrás). Esses resultados são importantes à luz das seleções natural e sexual, porém o padrão observado ainda não está totalmente claro. 

 

Por isso, a existência de poucos eventos de escape alométrico na história evolutiva dos anuros deve ser melhor investigada, de modo a considerar a vasta diversidade ecomorfológicas dos anuros, assim como as suas particularidades biogeográficas.



 

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