Texto do Dr. Alessandro Ribeiro de Morais
Laboratório de Biologia Animal
Instituto Federal Goiano, Rio Verde, Goiás
Os anuros se comunicam,
predominantemente, através das vocalizações. Nesses animais, diferente do que
ocorrem em outros vertebrados (p.ex.: aves), as vocalizações são inatas e, em
consequência disso, são altamente estereotipadas. Sabe-se que as vocalizações emitidas pelas diferentes
espécies de anuros desempenham funções variadas, tais como: reconhecimento
específico, atração de parceiros reprodutivos, defesa de território entre
outros. Ainda, os sinais acústicos desses animais podem variar em resposta a fatores
ambientais (p.ex. temperatura do ar, estrutura da vegetação), sociais (p.ex. distanciamento
entre os indivíduos coespecíficos no coro) e morfológicos (p.ex. tamanho
corporal).
Em anuros, a relação
alométrica existente entre a frequência dominante (medida em Hertz) das
vocalizações e o tamanho corporal dos indivíduos é muito bem documentada na literatura.
Em consequência disso, sabe-se que indivíduos maiores emitem vocalizações com
baixa frequência (som grave), enquanto os indivíduos menores emitem cantos com
frequência elevada (som agudo). A explicação para isso é que, em anuros, o
tamanho corporal dos indivíduos determina o tamanho das estruturas que produzem
os sons, por exemplo, a faringe e as cordas vocais. Consequentemente, cordas
vocais maiores vibram em baixa frequência, produzindo sons mais graves.
Neste contexto,
pesquisadores brasileiros (entre os quais me encontro) e estrangeiros, liderados
pelo Dr. João Tonini (The George Washington University, EUA), conduziram e publicaram
um importante estudo sobre a evolução das vocalizações em anuros (https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ece3.6155).
Nós investigamos se a relação alométrica que há entre a frequência dominante dos
sinais acústicos e o tamanho corporal é algo conservativo (isto é, que se
mantém) na história evolutiva dos anuros. Adicionalmente, testamos se agentes
de seleção (p.ex.: o sítio de vocalização) poderiam influenciar ou não a
existência dessa relação alométrica. Para isso, consideramos um número
expressivo de espécies de anuros (n = 2.176) de diferentes partes do mundo, para
as quais foram compiladas informações a respeito da filogenia do grupo, frequência
dos sons, sítio de vocalização e tamanho corporal.
Foi observado que o
tamanho corporal é um bom preditor da frequência dominante dos sinais acústicos
em anuros (veja os gráficos abaixo). Este padrão foi observado,
independentemente do sítio de vocalização (água, poleiro ou no chão) utilizado
pelas diferentes espécies de anuros. Portanto, isto sugere a
existência de uma relação alométrica entre estas variáveis para a maioria das
espécies de anuros analisadas (88% das 2176 espécies).
Ainda, observamos que
evidências de que tal relação parece ser conservativa ao longo da história
evolutiva desse grupo e que ela tenha evoluído a cerca de 219 milhões de anos
atrás. No entanto, conforme observado na figura abaixo, eventos raros de escape
alométrico (ausência de relação entre frequência dominante e tamanho corporal)
foram observados ao longo da evolução desses animais. Desse modo, foram observados
que quatro eventos ocorreram em diferentes momentos da história evolutiva dos
anuros e que esses abrangeram distintas linhagens de espécies, conforme
descrito a seguir: (1) Rãs do sudeste asiático (33,3 milhões de anos atrás); (2)
Dendrobatídeos, Poison frogs, (102,7 milhões de anos atrás); (3) Pererecas
da sub-família Dendropsophinae (42,9 milhões de anos atrás); e (4) Ranídeos (41
milhões de anos atrás). Esses resultados são importantes à luz das seleções
natural e sexual, porém o padrão observado ainda não está totalmente claro.
Por isso, a existência de
poucos eventos de escape alométrico na história evolutiva dos anuros deve ser
melhor investigada, de modo a considerar a vasta diversidade ecomorfológicas
dos anuros, assim como as suas particularidades biogeográficas.