domingo, 10 de maio de 2020

O que nós sabemos sobre os sapos, as rãs e as pererecas nas áreas protegidas do Brasil?


Certamente você já ouviu falar bastante sobre as cantorias e as histórias de sapos, rãs e pererecas. Mas, você já sabia que esses animais estão bastante ameaçados de extinção? Isso mesmo! Há declínios populacionais registrados para diversas espécies de anfíbios ao redor do mundo e, em virtudes desses declínios, os anfíbios representam o grupo de vertebrado mais ameaçado do planeta (veja as fotos com espécies brasileiras ameaçadas de extinção). Os fatores que ameaçam esses animais são os mais diversos, incluindo perda e fragmentação de habitat, poluição, doenças infecciosas, espécies invasoras e etc. Nesse cenário, a conclusão mais óbvia em que chegamos é: nós devemos, urgentemente, implementar ações que visem à conservação desses animais!

A criação e o manejo de áreas protegidas (APs, que podem ser chamadas de Unidades de Conservação) representam a principal estratégia para conservação da biodiversidade, incluindo os anfíbios. No Brasil, essas áreas são criadas e manejadas de acordo com o Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC – Lei 9.985/2000). Até recentemente, o Brasil foi líder mundial na criação de APs  e, atualmente, o país conta com mais de dois mil áreas que se distribuem ao longo de seus vários biomas (p.ex.: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal). 

Apesar do número expressivo de APs que há no Brasil, eis que surge uma importante pergunta: nós conhecemos a diversidade de espécies que há nessas áreas? Essa é uma pergunta complexa e de difícil resposta, pois ela dependente que tais áreas tenham sido satisfatoriamente amostradas no passado. Foi baseado nessa pergunta que eu e meus colaboradores conduzimos e publicamos um estudo científico em uma prestigiada revista de Herpetologia (https://www.thebhs.org/publications/the-herpetological-journal/volume-30-number-1-january-2020/2025-05-anuran-species-in-brazil-s-protected-areas-network). Neste estudo nós objetivamos a construção de um banco de dados sobre listas/inventários de espécie de anuros em APs do Brasil. Especificamente, nós realizamos uma intensa buscar na literatura por artigos científicos que apresentaram tais listas para tentar responder as seguintes perguntas: 1) quantas e quais espécies de anuros ocorrem em APs? 2) todos os biomas brasileiros são igualmente amostrados? 3) O número de espécies de anuros é influenciado pelo tamanho da AP?

Nós encontramos 115 artigos científicos que apresentaram listas de espécies de anuros em APs do Brasil. Para cada um desses artigos foram extraídas as seguintes informações: número de espécies de anuros, o nome das espécies registradas, o nome da AP, o bioma de ocorrência da AP, a data em que o estudo foi conduzido; e o tamanho da AP. No geral, os artigos encontrados consideraram 101 áreas protegidas brasileiras, os quais registraram a ocorrência de 605 espécies de anuros. Na figura, o quadrado mostra um detalhe de áreas de proteção na Mata Atlântica.

No Brasil, a lista de espécie de anuros em áreas protegidas mais antiga foi publicada em 1988, para a Estação Ecológica do Taim (no Rio Grande do Sul). Desde então, o número de estudos cresceu consideravelmente ao longo do tempo (veja figura abaixo). 


Porém, apesar desse incremento, nós observamos que o número de estudos difere entre os biomas, uma vez que a Mata Atlântica possui o maior número de estudos, enquanto o pantanal é o bioma menos estudado. As áreas protegidas compreendidas em nosso banco de dados possuem diferentes tamanhos, variando de 45,2 a 834.245,00 hectares (veja tabela abaixo) Apesar dessa variação, nós não encontramos qualquer influência do tamanho da área protegida sobre o número de espécies de anuros. 

 
Informações científicas são cruciais para o adequado manejo das áreas protegidas. Por isso, os resultados que nós apresentamos no referido estudo são úteis para subsidiar ações de manejo tanto para as espécies de anuros quanto para as áreas protegidas do Brasil. Ainda, nosso resultado indica que há uma lacuna de conhecimento, uma vez que as amostragens ocorreram em menos de 5% do total de APs existentes no Brasil. Das 1065 espécies de anuros que ocorrem no Brasil, nós observamos que apenas 605 constam em nosso banco de dados, ou seja, aproximadamente 60% dos anuros do Brasil ocorrem ao menos em uma área protegida brasileira.

Outro resultado importante é que as APs são diferentemente amostradas entre os biomas brasileiros. Isso implica que a anurofauna das APs em alguns biomas (p.ex. Pantanal) é pobremente conhecida e isso pode comprometer as ações de conservação destes animais. Nosso estudo evidencia a necessidade da realização de mais amostragens em áreas protegidas do Brasil, portanto, sugerimos que agências de fomento possam adequadamente financiar estudos desta natureza.
  
Texto: Alessandro Ribeiro de Morais 
Laboratório de Biologia Animal
Instituto Federal Goiano, Rio Verde, Goiás
Contato: alessandro.morais@ifgoiano.edu.br


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